quinta-feira, 10 de abril de 2014

Belcanto | JA

Já conhecia o seu Cantinho. Bem como a Pizzaria. Estava em falta o Café e o Belcanto.
Há cerca de dois anos que pensava fazer uma incursão a este último, mas essa vontade, sem razão nenhuma, foi sendo adiada, até finalmente ser concretizada recentemente.
As minhas referências sobre a cozinha de José Avillez sustentavam-se no trabalho que elabora no Cantinho do Avillez – que é do meu agrado, na Pizzaria Lisboa – que não adoro, e nas criações que tem vindo a desenvolver nas várias edições do Peixe em Lisboa, que me têm parecido muito bem.
Estava ciente que o que ia encontrar no Belcanto não tinha correspondência com a cozinha desenvolvida nos outros contextos. Por se tratar de um restaurante de alta cozinha de autor, com uma estrela Michelin, teria que apresentar necessariamente uma cozinha mais desenvolvida e criativa. Assim é. Para além de cuidada, surpreendente, entusiasmante, saborosa e apetitosa.
O restaurante, adicionalmente à alta qualidade, destaca-se por pormenores que fazem toda a diferença.
Após instalarmo-nos no espaço clássico, sofisticado e confortável, que alberga o restaurante, optámos pelo Menu dos Clássicos, que inclui alguns dos pratos que se têm mantido ao longo dos tempos, aspecto que nos pareceu excelente para uma boa primeira introdução.
Antes dos pratos do menu propriamente dito chegarem à mesa, os empregados, irrepreensíveis, foram-nos entretendo com vários mimos que compõem o pré-couvert e couvert.
Rendi-me de imediato. Muito antes de chegar o primeiro prato do menu. Tivemos assim um excelente princípio, elucidativo da abordagem do chef José Avillez à arte culinária.
A refeição começou de forma explosiva com um aperitivo clássico, o Porto Tónico, apresentado numa esferificação dos líquidos e servido numa colher sobre uma “Pedra da Calçada”, um ícone da cultura portuguesa.

Prosseguiu para um dos elementos de marca de José Avillez, as Azeitonas3. São ao “cubo” pois são apresentadas três diferentes formas de azeitona. As duas primeiras vêm em colheres dispostas num tronco de oliveira (outro símbolo da nossa cultura). Uma é azeitona preta envolta em tempura, outra é uma esfericação de sumo de azeitona verde que rebenta na boca, a famosa azeitona explosiva. A terceira variante é um Dry Martini invertido. Trata-se de uma criação notável, em que em vez de ser um gin decorado com azeitona, como no clássico Dry Martini, é sumo de azeitona decorado com uma esferificação com gin no interior. A falsa azeitona explode na boca e liberta o gin. Uma experiência extraordinária.

De seguida veio o segmento do “nem tudo o que parece é”, composto por um falso Ferrero Roche, que na verdade é foie gras envolto numa capa de manteiga de cacau e avelã e folha de ouro comestível a fazer a vez da prata dourada do bombom original. Tivemos ainda oportunidade de comer “frango assado”, que tem o sabor do mesmo mas que não é mais do que duas finas fatias de pele de frango crocante com recheio de mousse de requeijão. E nesta secção das ilusões deliciámo-nos ainda com o snack “arroz de marisco”. As três interpretações são incríveis a todos os níveis, desde a criatividade, minúcia plástica e autenticidade do sabor.


Chegam entretanto quatro qualidades de pão (branco, de azeitonas, sementes e broa de milho) e três manteigas, dos Açores, noz e fumada com flor de sal.

Tudo de óptima qualidade.
De seguida foi-nos servida Sapateira com Tupinambo. Fresca, diferente, interessante e  com um sabor intenso.

Entrámos então no menu, com A horta da galinha dos ovos de ouro, com ovo cozinhado a baixa temperatura e envolvido em folha de ouro comestível, cogumelos, pão crocante com tinta de choco, cogumelos, toucinho. Excelente conjugação de sabores e texturas.

De seguida veio o Mergulho no mar, prato de robalo escalfado em água do mar, bivalves e algas. Muito equilibrado.

Prosseguimos com o Leitão revisitado, leitão pincelado com molho de pimenta, coração de alface, espuma de laranja e umas batatas fritas divertidamente e criativamente embaladas em folha de arroz. Carne perfeita. Macia e com a pele crocante. Uma delícia.

Como pré-sobremesa deliciámo-nos com uma framboesa vidrada com wasabi, servida fria.
Por fim, de sobremesa comemos Tangerina. Esta refrescante sobremesa é na verdade uma falsa tangerina, pois trata-se de uma esfera de sumo gelado de tangerina recheada com espuma de tangerina, acompanhada de sorvete e gomos de tangerina. É uma síntese do fruto em diversas texturas e temperaturas. Excelente.
Foi uma das melhores refeições que tive até hoje. Excelentes ingredientes, comida bem confeccionada, interpretações excepcionais, inovadoras, técnica apurada, sem o sabor ficar compromentido.