sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Azurmendi. Talento, Perfeição e Emoção.

Aproveitando o facto de irmos de férias para o País Basco, inevitavelmente programámos a nossa viagem de forma a incluir uma refeição com tempo num restaurante de alta cozinha.
As hipóteses por aqueles lados são múltiplas, já que alguns dos melhores restaurantes do mundo localizam-se naquela região espanhola.
A nossa escolha acabou por recair no Azurmendi, restaurante do chef Eneko Atxa, com o qual nos identificámos desde o primeiro momento e que considerámos que nos ia oferecer uma excelente e completa experiência, já que no seu conceito alia a qualidade do produto à criatividade.
Com 3 estrelas Michelin, encontra-se ainda no 16º lugar dos 50 melhores restaurantes do mundo.
Localizado fora, mas próximo, de Bilbau, encontra-se numa encosta junto à auto-estrada que liga Bilbau a San Sebastian.
A localização não é idílica, mas a intervenção arquitectónica e paisagística efectuada conseguiu amenizar o impacte das grandes infraestruturas rodoviárias da envolvente.
O restaurante está inserido num complexo maior que se desenvolve ao longo da encosta e inclui horta, vinha e outro edifício.
Desde que entramos no restaurante que se inicia uma experiência nova. Ali não há espaço para uma refeição convencional. 
Tudo o que conhecemos até ao momento está prestes a ser desconstruído. Não iremos directamente para a mesa de refeições. Antes disso, iremos experienciar a comida de Atxa noutros ambientes.
Assim, logo que acedemos ao edifício deparamo-nos com um jardim interior. É aí que decorre o primeiro acto, um picnic de boas vindas.
A música que ecoa no espaço dá-nos serenidade. As frases escritas na parede, nomeadamente na forma de haikai, a pequena poesia japonesa, aumentam o grau de tranquilidade e bem estar. Mas quando chega o nosso cestinho de picnic, desce à terra um estado quase celestial.




É nesse estado que, acompanhado por um txakoli, saboreamos as iguarias deste picnic, composto por tarta vegetal de nuestro jardin (direita), bocadillo de anguila (esquerda) e o ponche de txakoli (esquerda, em primeiro plano), uma esferificação do vinho branco basco.
Tudo fabuloso.
Perante este início auspicioso, seguimos para o segundo acto, o qual decorre na cozinha. Quando entramos, todos que ali trabalham, que são muitos, saúdam-nos de uma forma firme com um quase grunhido.




Neste espaço amplo saboreamos, apressadamente, avelãs, dispostas num bonsai, e porção de hibiscos.


O terceiro acto decorre no El Invernadero, um espaço extraordinário onde estão algumas das ervas e produtos usados no restaurante.
É um local de várias sensações, onde se dá um enfoque à terra e ao que vem da terra.
Vejamos, visualmente deparamo-nos com a simulação, através de uma reacção química de um líquido com a superfície, da neblina matinal típica da região, a qual se acumula na base das colinas bascas.


Gustativamente experimentamos vários snacks elaborados com os produtos da terra, como “Morokil”, isto é, milho.


Saboreamos também Galleta de hierbas y queso.
Para mim uma versão mais simples, sem queijo e apenas bolacha crocante com sementes.



Algodón de espárragos, um género de algodão doce mas neste caso salgado com aroma de espargos, e hoja de setas, folha estaladiça de cogumelos, são os outros dois snacks que degustamos no El Invernadero.





Depois da aceleração dos três primeiros actos, passamos para o El Mirador, onde decorre, tranquilamente, o quarto acto, a refeição mais convencional.
A sala de refeições é ampla, elegante, com uma distribuição muito equilibrada das mesas, que se encontram espaçadas e garantem a privacidade. Toda a sala é acompanhada de janelas de alto a baixo, permitindo absorver a paisagem exterior e fazendo-nos sentir efectivamente num miradouro.


Enquanto o céu se carrega gradualmente de nuvens negras optamos pelo Menú Erroak.
Com um ritmo tranquilo começam a desfilar as criações de Eneko Atxa.
Primeiro aceituna heladas e vermouth, acompanhadas de palitos crocantes de azeitona.
Apresentam-nos também como aperitivo um vermute cítrico com canela. A refeição seria acompanhada de um Bai Gori, tinto da Rioja.


De seguida chega-nos uma das maiores criações de Atxa, huevo de nuestras gallinas, cocinado a la inversa y trufado.
Para comer de uma só vez. Uma explosão sensorial. Cremoso. Salgado. Intenso. Uma súmula da excelência gastronómica.


O pão já está na mesa e é de dupla fermentação, amargo e pão de leite ultra macio.


Avançamos. Para algo ainda mais fabuloso. Centollo al natural, emulsión e infusión.
Humm...que delícia! 
Intensidade a níveis máximos. Um mergulho num mar bravo onde todos os sabores de maresia são activados. A delicadeza da carne da santola conjuga-se na perfeição com a intensidade do caldo. O toque picante deste prato amplifica mais os sabores, os quais perduram até ao próximo prato.
Humm...que perfeição!


Surge um prato que, se ainda tivéssemos dúvidas, comprova toda a excelência da cozinha do Azurmendi, Coliflor, huevos fritos y trufa. 
Quando alguém consegue transformar a couve flor em algo tão interessante só pode ser talentosamente extraordinário. 
Este prato apresenta a couve flor em várias texturas. Pó, puré, esferas, desidratadas. Coadjuvadas com trufa de Verão e tempura de ovo.
Acreditem, é mesmo extraordinariamente maravilhoso. 



Lá fora as nuvens negras cada vez se adensam mais e deslocam-se de forma frenética. Cá dentro chega mais um prato, Bogavante asado y descascarillado sobre aceite de hierbas y meloso de cebolinho.
Concepção muito equilibrada, com a textura crocante do corneto de ervas a contrastar com a maciez do lavagante e do azeite de ervas.



O momento seguinte é uma variação do prato original do menu (cochinillo frito y ligeramete picante com 3 quesos vascos en tres texturas), no qual a presença do queijo foi substituida por puré de vegetais e flores comestíveis.
O leitão (cochinillo) apresentou-se maravilhoso e muito bem acompanhado.



As nuvens negras não se contêm e descarregam furiosamente toda a humidade acumulada. O dilúvio começa. 
No conforto da sala de refeições a paz continua a reinar e fazem-nos chegar o prato seguinte, o qual conjuga o mar, a terra e a quinta. Rape, costra de ibérico y setas “al ajillo”.
Tamboril envolto por fatia de enchido ibérico e acompanhado de cogumelos. 
Convivência perfeita e deliciosa. A contrastar com o ambiente assustador que se abateu lá fora.



Por último, antes do capítulo das sobremesas, pato asado, guisi de trigo, manzana y rúcula.
Este prato tem de tudo um pouco. E tudo funciona.
O granizado de maçã e rúcula contribui para dar frescura à espessura do pato, da cama de cereais e do foie gras em forma de maçã vermelha.


Entramos no capítulo das sobremesas.
Yogurt, miel y cinco especias.


Chocolate, cacahuete e regaliz.


Óptimas. A primeira suave e a segunda bombástica.
Caminhamos para o fim do nosso excelente almoço, o qual termina com os petits fours.


Entretanto Eneko Atxa chega à nossa mesa e pergunta-nos como estamos, se gostámos da refeição e de onde somos. Respondemos que somos do país de origem da loiça que apresenta no seu restaurante, a Vista Alegre. 
Fico feliz por este momento descontraído e genuíno da parte do chef de percorrer as diversas mesas. Nunca me tinha acontecido e pareceu-me sincero.
Lá fora parou de chover e já se vislumbra partes azuis no céu.
As mais de 3 horas que durou a nossa refeição deram para diversos estados temporais no exterior. Contudo, no interior só houve espaço para um. A felicidade. A felicidade pela experiência e sensações vividas na forma de comida tão bem confeccionada e apresentada.