sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Sicília em Sabores

Um lugar onde se come brioche com gelado só pode ser especial.



Se ainda acrescentarmos toda a outra oferta que apresenta, a confirmação de quão especial torna-se ainda mais firme.
É a Sicília, esse lugar especial. A Sicília que, embora uma ilha, é feita de uma intensa pluralidade e constitui-se como uma encruzilhada cultural, fruto das diversas influências históricas que foi tendo ao longo dos anos, mas também da sua localização geográfica entre a Europa e África.
Podemos equivaler a gastronomia e a personalidade de um povo. Há quase uma analogia directa. Neste caso, a comida típica siciliana não é feita de ingredientes ricos, nem tão pouco é delicada e elegante, mas antes rústica, excessiva, intensa, gulosa e, para os padrões atuais, pouco saudável.
Os fritos imperam. Os doces também. Mas há também todo um conjunto de outras opções.
Uma grande parte das iguarias da culinária siciliana é comida de rua. Faz-se e come-se na rua, no meio da azáfama tipicamente siciliana.


Mercato Il Capo, Palermo

Dentro dessa comida e inserida no capítulo dos fritos e gordura encaixam-se as arancini, que são bolas de arroz fritas recheadas com ragù, tomate e vegetais. 



Este é a versão clássica, pois é também possível saborear reinterpretações com os mais variados recheios, tais como com cogumelos, peixe-espada, gambas, pistáchio, vegetais, entre muitos outros.


Arancini de gambas e pistáchio

Ainda nos incentivadores dos níveis de colesterol e disponíveis nas ruas, nomeadamente de Palermo, entram o crocchè, croquetes de batata com mozzarela; as pane e panelle, uma barritas de milho frito nativas de Palermo, que podem ser comidas isoladamente ou no pão; 





Pane e panelle no Friggitoria Chiluzzo, na Piazza della Kalsa em Palermo


as sfincione, as pizzas de Palermo, altas, com azeite, queijo caciocavallo, tomates e cebola, as quais por vezes têm também anchovas.




Ainda no mesmo campeonato, mas para corajosos (não ascendi a esse nível), o pani ca meusa, isto é, sanduíche de baço e pulmões de vaca mergulhados em banha de ebulição.



Um dos locais mais clássicos para saborear todos estes clássicos de rua, bem como a cozinha popular, é a Antica Focacceria S. Francesco, na belíssima Piazza S. Francesco D' Assisi.



Focaccia da Focacceria S. Francesco, Palermo

Toda esta comida de rua é óptima e maravilhosa, mas exige uma desintoxicação passados poucos dias e uma reflexão acerca da saúde dos habitantes locais, os quais iniciam o dia logo com um arancini.
Mas não só de excesso se faz a culinária siciliana.
Os sarracenos trouxeram a beringela, especiarias, as sultanas, e muitos outros ingredientes que compõem pratos tradicionais sicilianos, como o involtino di melanzane;




a Pasta alla Norma, pasta cozinhada com beringela e molho de tomate com queijo ricotta; 




a Pasta alla Sarde, um clássico palermitano, preparada com sardinhas, pinhão, passas e funcho selvagem; 



e a Sarde a Beccafi alla Palermitana, sardinhas estufadas com anchovas, pinhão, passas e salsa.
O mar que rodeia o território siciliano dá os outros ingredientes. A sardinha, o peixe-espada, o mexilhão, a anchova e muitos outros peixes.


Sardinhas na Trattoria Ferro di Cavallo, Palermo


Anchovas

Por isso é muito comum pratos com estes e outros peixes.
O involtini di pesce spada, isto é, finas fatias de filete de peixe-espada enrolados e recheados com alcaparras, tomate e azeitonas, é outro dos saborosos pratos que podemos saborear por aqueles lados.



Marcadamente de influência Árabe e do Norte de África é o couscous de peixe, o prato típico da parte oeste da ilha. Em Mazara del Vallo saboreamos uma excelente refeição no restaurante tunisino Eyem Zemen. Iniciámos com pastéis de atum, continuámos com um couscous de peixe e terminámos com doces árabes e chá.






Participámos também no Festival do Couscous em San Vito Lo Capo, capital siciliana desta iguaria, onde nos perdemos na enorme oferta deste prato.
A identidade faz-se de diversas dimensões e a influência de outras culturas é marcante nessa dimensão. Se olharmos para um mapa percebemos que a costa ocidental da Sicília está mais próxima da costa africana do que da Catânia, cidade siciliana no outro ponto da ilha. Realizar isso, é emocionante e revelador do porquê de determinados aspectos que à partida podem parecer surpreendentes. Ainda assim, ou por isso mesmo, ficará na nossa memória o deambular pelas ruas de San Vito lo Capo, com traça e ambiente do Norte de África, em busca do melhor couscous. Será o marroquino? O da Costa do Marfim? O do Senegal? O tunisino? Certamente todos são óptimos, mas uma das opções foi o couscous de peixe local, que na sua essência tem um pouco de todas as outras coordenadas.



A doçaria é uma componente forte e com grande tradição na Sicília. Neste sector é também reveladora a encruzilhada cultural feita ao longo da história neste território. Uma série de produtos, tais como as amêndoas, as laranjas, os limões-sicilianos foram introduzidos pelos Árabes. O cacau pelos Espanhóis. Estes ingredientes, assim como muitos outros, são a base de alguns dos doces sicilianos.
Há uma infinidade de doces, mas talvez a Cassata, a rainha dos bolos sicilianos, e os cannoli sejam os mais famosos.



Cassata Siciliana

Cannoli

Entrar na Maria Grammatico, uma das pastelarias mais famosas da Sicília, em Erice é imergir no mundo da doçaria siciliana. Os Genovesi e a Cassatelle di Ricotta são algumas das principais estrelas.



Mas por lá e, em muitas outras pastelarias, encontramos outros doces, como o de pistáchio.



Para além do brioche com gelado, com o qual abrimos este texto, todos os dias nos podemos animar com um gelado e também com uma granita.






Assumo, adoro gelados, mas sou louca por granitas. Limão, tangerina, melancia, hortelã, morango, pistáchio. Adoro todas. Também são famosas as de amora, café e amêndoa.





Percorrer os mercados de Palermo é essencial para percebermos a cultura gastronómica, e não só, siciliana. 
Assim, impõe-se embrenhármo-nos pelo Mercado Ballarò, actualmente o maior, pelo Mercado Il Capo e pelo Mercado Vucciria, imortalizado na arte de Renato Guttuso.




Este mercado não tem a efervescência de outrora, mas é incontornável passar pelas ruas principais do bairro de Vucciria e observar as bancas do mercado ladeadas de arte urbana alusiva a um dos maiores símbolos da ilha, a máfia e o seu Padrinho.



Nos outros dois mercados, a vida corre nas ruas, enquanto os olhos catrapiscam a diversidade do exposto nas bancas. Fruta, como o figo da Índia, muito popular na Sicília,  legumes, peixe, licores e vinhos,













Comprámos um pesto de pistáchio para levarmos para casa. É a forma física de trazermos um pouco da Sicília connosco. Tudo o resto veio na memória e no coração.