terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A Sul

O caminhar para o tempo frio, no caso o outono com feições de inverno e rapidamente a chegar a essa estação, é um percurso feito de dias mais minguados. Apesar de curtos, o intento de os viver permanece como no tempo quente.
Procura-se o calor de outras formas.
Fugir para sul nesta altura é ir ao encontro de uma serenidade e beleza ímpar.
Como é saboroso chegar a sexta-feira e trocar a azáfama da capital pelas paisagens vazias e, assim, ainda mais mágicas, da costa Alentejana. Sentir aquela ansiedade boa de imaginar como nos receberão as ondas na praia de S. Torpes. Nem sempre chegamos a tempo ou o mar se oferece para a primeira surfada do fim-de-semana. Mas com ou sem surf a alegria permanece, pois sabemos que no outro dia, o mar estará ali, no Malhão ou noutra praia qualquer para ser deslizado ou admirado.
Despedimo-nos do sol até ao último minuto. Vemo-lo a declinar, enquanto os seus últimos raios preenchem de laranja o rendilhado de rochas, que a maré vazia deixa a descoberto na praia do Farol.
Chegamos a casa. À casa dos dias de descanso e marcados por não haver pressa. Vila Nova de Milfontes é a nossa casa nestes dias vagarosos.
Deixamos as malas e logo saímos para as ruas silenciosas e vazias. Nesse percurso, enquanto o frio nos chega aos ossos, sentimos o cheiro a lareira que emana das casas nestes dias frios. Chegamos à Tasca do Celso e espera-nos a sua acolhedora lareira e a, sempre, deliciosa comida. Sarrajão com batata doce e carne de porco à alentejana são as nossas escolhas. Fechamos com a inigualável sericaia.  
No outro dia o sol tímido da manhã entra pela janela do quarto. Na rua sente-se apenas um ligeiro movimento, muito diferente da intensa azáfama das manhãs de Verão, nas quais o mercado da Vila ganha uma grande dinâmica.
Minutos depois iniciamos o dia com uma ida ao mercado. Como adoro dali entrar. De ver a oferta das bancas dos peixes e das hortícolas. Como gosto de cumprimentar e ser reconhecida, como só os locais são, pelos vendedores das bancas.
Há percebes? Lingueirão? Que peixes o mar deu? E aquela rúcula selvagem que só ali conseguimos.
Certo é que há batata doce. É o tempo dela. E pão alentejano, que nunca falha.
Feitas as compras, o pequeno-almoço só está completo com um croissant de chocolate da Mabby, essa grande instituição da terra.
Feita a primeira refeição seguimos para a praia. Hora de surf. O mar está grande, vamos espreitar o inalcançável, até hoje, mar do Portinho? Ou seguimos para S. Torpes. Vence a última opção. Surf realizado e sorriso largo, descemos mais a sul para almoçar.
Se Lisboa tem o Ramiro, a costa alentejana tem a Azenha do Mar. Se é difícil arranjar mesa no Ramiro, é ainda mais complexo ter lugar na marisqueira da terra onde as ruas têm nomes de peixes.
A estratégia é chegar fora de horas. Não o fizemos tanto assim. Eram 14:15. À nossa frente estão 70 pessoas... Persistimos e no tempo de espera aproveitamos para passear sempre com o mar por perto. Duas horas depois estamos à mesa. Para almoçar e jantar, porque a comida é farta e sairemos a horas de ver o pôr do sol.
Investimos no arroz de marisco. Não vem recheado com as ovas de sapateira, como tivemos o privilégio de saborear em tempos, mas vem com este marisco, com mexilhões carnudos e deliciosos, gambas e berbigão. Generoso como sempre. No sabor e quantidade. Dá para repetir por quatro vezes.
Depois de nos despedirmos mais uma vez do sol, que se retira e nos deixa os laranjas antes do ocaso, o frio instala-se e regressamos a casa. Pela noite só há espaço para uma fruta e um chá. Bem como para um sono retemperador.
Amanhece e já com a digestão feita da refeição da véspera, fazemos a primeira refeição do dia e rumamos para uma manhã de surf numa praia mais pacata próxima de Porto Covo. Sessão mágica com mar em excelentes condições e sem a clássica multidão que assola as mais conhecidas praias portuguesas.
Dirigimo-nos a S. Torpes para nova sessão de surf.
Energia esgotada, vamos repor os níveis no Trinca-Espinhas, um restaurante clássico da praia de S. Torpes.
Ficamos pelo petisco. Favinhas com molho verde e choco frito. Que delícia. Ali, a olhar para o mar, enquanto os nossos pares continuam a desafiar as ondas, já começamos a sentir saudades do fim de semana. Mas deixamo-nos ficar, a sentir o sol quente que nos faz esquecer das temperaturas mais baixas.
Antes de voltarmos a Lisboa, damos um passeio pela praia e fazemos planos para o próximo fim de semana a sul. 
Sonhar com esses momentos dá-nos força para enfrentar os dias de inverno que aí vêm.
É bom sentir que teremos sempre o sul.