Para
os lados da Estrela há um restaurante que nos dá as boas vindas com comida
vinda do céu.
Nesse
mesmo espaço, há algo também estratosférico, ou não, se nos lembrarmos da nossa
infância. Dão-nos a comida à boca.
Muito
por conta desses efeitos cénicos, mas não só, o Loco, restaurante do chef Alexandre Silva, tem estado nas bocas da
crítica gastronómica da Península Ibérica.
Fomos
ver e sentir in loco as propostas que
oferece.
Entramos
e deparamo-nos com uma oliveira suspensa. Logo de início somos invadidos por
criatividade, elegância e bom gosto. Ainda à entrada, na parede do lado
esquerdo, está instalada a bonita garrafeira em ferro. Mais um sinal de bom gosto.
Entramos na sala de refeições, a qual tem ao lado, sem qualquer
divisão, a cozinha.
Tudo transparente e sem barreiras, tal como, viríamos a perceber, a cozinha de
Alexandre Silva.
Pouco
tempo depois de nos sentarmos e de escolhermos o menu
Descobrir, composto por 14 momentos (é possível escolher também o menu Loco de
18 momentos), levantamo-nos para recolher o carasau, pão laminado
crocante típico da Sardenha, que surge suspenso por fios sobre a mesa.
Absorvemos
o resto do espaço. Percebemos que os amplos janelões não criam barreiras para a
rua. Tudo é permeável.
Já
a parede contrária à entrada é revestida de
losangos em cerâmica, numa recriação alusiva à emblemática Casa dos Bicos de
Lisboa.
Confortáveis, sentimo-nos prontos para o primeiro andamento, de quatro, o qual é composto por um conjunto de snacks. Serão cinco ao todo.
Começámos
com um pastel de bacalhau criativamente empratado no cimo de um manjerico. Bem
distinto da forma comum, mas igualável no sabor clássico.
Numa
caixinha de madeira preenchida com pauzinhos surge no topo o pão com chouriço.
Uma proposta que, embora diferente na forma, remete-nos para algo familiar no
sabor. Trata-se de um pão cozinhado a vapor, recheado com chouriço picado e culminado com uma mousse de chouriço.
Adorei, ou não fosse uma apaixonada por pão com chouriço.
O snack seguinte surge
disposto, de forma contrastante, numa pedra vulcânica. Barriga de atum fumada
com pickle de tangerina e flor comestível. É um prato para comer,
literalmente, com pinças. Sensível e delicioso.
De seguida não vemos o que comemos. Dizem-nos para abrir a boca
e fechar os olhos, porque tal como na infância, vem o aviãozinho. É-nos dada
uma colherada à boca. As petazetas rapidamente começam a atuar irrequietamente
nas nossas bocas. São acompanhadas de atum, quinoa, limão e cebolinho.
Apesar de gostar de petazetas, assim como de todos os restantes
ingredientes, considero que no global este snack
não funciona.
A encerrar o primeiro andamento, surge o snack vencedor da noite, mexilhão com sumo de maçã e raiz de aipo
com funcho.
Fabuloso. Comia uma meia-dúzia.
O segundo andamento inicia-se com o primeiro prato da noite.
Pão.
No Loco o pão tem uma
importância tal que é considerado um prato, ao qual é dedicado um momento
completo à sua degustação.
Os pães são feitos no restaurante e variam diariamente.
Calhou-nos pão de mistura e outro de azeitonas.
A acompanhar surgem quatro manteigas caseiras - alga nori, ovelha, tinta de choco fumado e alho, salsa e pó de cebola -, azeite duriense e uma frigideira com molho de bife.
Este andamento foi pensado para entregarmo-nos a um elemento de
grande importância na nossa cultura, o pão.
É o que fazemos deliciosamente e transformamos este andamento
num momento de pleno lambujamento.
Destaque para o surpreendente (num contexto de fine
dining),
divertido e ultra delicioso apontamento dado pelo molho do bife servido numa
frigideira. Grande relevo ainda para a manteiga de tinta de choco e para o
azeite, ambos magníficos.
Damos início ao terceiro andamento com uma sopa de finas tiras
de lula crua num caldo de pé de porco com toque picante. Não foi consensual
entre os presentes, mas, pessoalmente, pareceu-me muito bem na conjugação dos
sabores, resultando num prato diferente, arriscado, mas simultaneamente
reconfortante e gostoso.
De seguida surgiu um cesto de bambu chinês com ostras da ria de
Aveiro, as quais seriam cozinhadas a vapor com um molho agridoce e ligeiramente
picante feito com citronela, lima e kafir. Aplausos de pé. Excelentes.
O peixe, no caso encharéu, chega à mesa cozinhado a vapor, numa
folha de bananeira, com temperos tailandeses e portugueses. O peixe é
previamente marinado com ervas, pimenta, chalota e acompanhado por hóstias
feita de um arroz de peixe.
Muito bom.
Ao lado é servido um copo com uma bebida emulsionada de coco com
os temperos do peixe. Tem tanto de potentíssima como de interessante.
Depois de um conjunto de pratos modernos surge um prato bem
tradicional, grão com tendões de mão de vaca.
Pareceu-me descontextualizado face às restantes propostas. Por outro
lado, apesar de saboroso, o grão surgiu mal cozido.
O prato seguinte foi o que menos agradou aos presentes. Raviolo
com rabo de boi e legumes mergulhados, literalmente, numa espuma de alho
tostado. Nada sobrevive perante a intensidade do sabor da espuma.
Na transição para o último andamento surgiu um interessante rolinho
de pasta de soja envolvido em alga e ponteado com gotículas de gel de limão.
Uma mistura de salgado e doce, a anunciar a transição dos pratos principais
para as sobremesas.
As sobremesas, a cargo do pasteleiro Carlos Fernandes, surpreenderam.
Muito.
A primeira de pêra, camomila e miso pauta-se por irreverência, equilíbrio, elegância
e suavidade.
Soberba. Ainda mais se considerarmos que a pêra não é uma fruta
do meu gosto.
Encaminha-se para a nossa mesa uma fascinante caixa de costura,
onde se encontram arrumadas nas diversas gavetas pequenas doçuras, desde as
queijadinhas de leite da avó Sofia (avó do chef
Alexandre), aos choux de canela com
creme de limão, bolachinhas de chocolate negro 70% com flor de sal, bolachas
com uma mistura de especiarias marroquinas, trufa de chocolate negro 55% e o
falso, coscorão, que afinal é feito com pele de vaca...
Tudo fantástico.
Neste momento das petit-fours
é servido o café de balão, desenvolvido em exclusivo para o Loco, e o chá,
no caso hortelã-pimenta.
Por fim, encerramos com uma maravilhosa bolinha de Berlim com
gelado de doce de ovo.
Este Loco é feito do envolvimento de todos os
colaboradores, num ambiente intimista e simultaneamente descontraído, onde se percebe que não
há receio de inovar e arriscar. Assim, a criatividade tanto rompe com a tradição, como se cruza ou a recria, ainda que esteja sempre aliada à técnica e qualidade do
produto.