quarta-feira, 25 de maio de 2016

LOCO

Para os lados da Estrela há um restaurante que nos dá as boas vindas com comida vinda do céu.



Nesse mesmo espaço, há algo também estratosférico, ou não, se nos lembrarmos da nossa infância. Dão-nos a comida à boca.
Muito por conta desses efeitos cénicos, mas não só, o Loco, restaurante do chef Alexandre Silva, tem estado nas bocas da crítica gastronómica da Península Ibérica.
Fomos ver e sentir in loco as propostas que oferece.
Entramos e deparamo-nos com uma oliveira suspensa. Logo de início somos invadidos por criatividade, elegância e bom gosto. Ainda à entrada, na parede do lado esquerdo, está instalada a bonita garrafeira em ferro. Mais um sinal de bom gosto.
Entramos na sala de refeições, a qual tem ao lado, sem qualquer divisão, a cozinha. Tudo transparente e sem barreiras, tal como, viríamos a perceber, a cozinha de Alexandre Silva.
 
 
Pouco tempo depois de nos sentarmos e de escolhermos o menu Descobrir, composto por 14 momentos (é possível escolher também o menu Loco de 18 momentos), levantamo-nos para recolher o carasau, pão laminado crocante típico da Sardenha, que surge suspenso por fios sobre a mesa.
 
 
Absorvemos o resto do espaço. Percebemos que os amplos janelões não criam barreiras para a rua. Tudo é permeável.
Já a parede contrária à entrada é revestida de losangos em cerâmica, numa recriação alusiva à emblemática Casa dos Bicos de Lisboa.
Confortáveis, sentimo-nos prontos para o primeiro andamento, de quatro, o qual é composto por um conjunto de snacks. Serão cinco ao todo.
Começámos com um pastel de bacalhau criativamente empratado no cimo de um manjerico. Bem distinto da forma comum, mas igualável no sabor clássico.
 
 
Numa caixinha de madeira preenchida com pauzinhos surge no topo o pão com chouriço. Uma proposta que, embora diferente na forma, remete-nos para algo familiar no sabor. Trata-se de um pão cozinhado a vapor, recheado com chouriço picado e culminado com uma mousse de chouriço.
 
 
Adorei, ou não fosse uma apaixonada por pão com chouriço.
O snack seguinte surge disposto, de forma contrastante, numa pedra vulcânica. Barriga de atum fumada com pickle de tangerina e flor comestível. É um prato para comer, literalmente, com pinças. Sensível e delicioso.
 
 
De seguida não vemos o que comemos. Dizem-nos para abrir a boca e fechar os olhos, porque tal como na infância, vem o aviãozinho. É-nos dada uma colherada à boca. As petazetas rapidamente começam a atuar irrequietamente nas nossas bocas. São acompanhadas de atum, quinoa, limão e cebolinho.
Apesar de gostar de petazetas, assim como de todos os restantes ingredientes, considero que no global este snack não funciona.
A encerrar o primeiro andamento, surge o snack vencedor da noite, mexilhão com sumo de maçã e raiz de aipo com funcho.
 
 
Fabuloso. Comia uma meia-dúzia.
O segundo andamento inicia-se com o primeiro prato da noite. Pão.
No Loco o pão tem uma importância tal que é considerado um prato, ao qual é dedicado um momento completo à sua degustação.
Os pães são feitos no restaurante e variam diariamente. Calhou-nos pão de mistura e outro de azeitonas.
 
 
A acompanhar surgem quatro manteigas caseiras - alga nori, ovelha, tinta de choco fumado e alho, salsa e pó de cebola -, azeite duriense e uma frigideira com molho de bife.
 
 
Este andamento foi pensado para entregarmo-nos a um elemento de grande importância na nossa cultura, o pão.
É o que fazemos deliciosamente e transformamos este andamento num momento de pleno lambujamento.
Destaque para o surpreendente (num contexto de fine dining), divertido e ultra delicioso apontamento dado pelo molho do bife servido numa frigideira. Grande relevo ainda para a manteiga de tinta de choco e para o azeite, ambos magníficos.
Damos início ao terceiro andamento com uma sopa de finas tiras de lula crua num caldo de pé de porco com toque picante. Não foi consensual entre os presentes, mas, pessoalmente, pareceu-me muito bem na conjugação dos sabores, resultando num prato diferente, arriscado, mas simultaneamente reconfortante e gostoso.
 
 
De seguida surgiu um cesto de bambu chinês com ostras da ria de Aveiro, as quais seriam cozinhadas a vapor com um molho agridoce e ligeiramente picante feito com citronela, lima e kafir. Aplausos de pé. Excelentes.
 
 
O peixe, no caso encharéu, chega à mesa cozinhado a vapor, numa folha de bananeira, com temperos tailandeses e portugueses. O peixe é previamente marinado com ervas, pimenta, chalota e acompanhado por hóstias feita de um arroz de peixe.
 
Muito bom.
Ao lado é servido um copo com uma bebida emulsionada de coco com os temperos do peixe. Tem tanto de potentíssima como de interessante.
Depois de um conjunto de pratos modernos surge um prato bem tradicional, grão com tendões de mão de vaca.
 
 
Pareceu-me descontextualizado face às restantes propostas. Por outro lado, apesar de saboroso, o grão surgiu mal cozido.
O prato seguinte foi o que menos agradou aos presentes. Raviolo com rabo de boi e legumes mergulhados, literalmente, numa espuma de alho tostado. Nada sobrevive perante a intensidade do sabor da espuma.
 
Na transição para o último andamento surgiu um interessante rolinho de pasta de soja envolvido em alga e ponteado com gotículas de gel de limão.
 
 
Uma mistura de salgado e doce, a anunciar a transição dos pratos principais para as sobremesas.
As sobremesas, a cargo do pasteleiro Carlos Fernandes, surpreenderam. Muito.
A primeira de pêra, camomila e miso pauta-se por irreverência, equilíbrio, elegância e suavidade.
Soberba. Ainda mais se considerarmos que a pêra não é uma fruta do meu gosto.
 
 
Encaminha-se para a nossa mesa uma fascinante caixa de costura, onde se encontram arrumadas nas diversas gavetas pequenas doçuras, desde as queijadinhas de leite da avó Sofia (avó do chef Alexandre), aos choux de canela com creme de limão, bolachinhas de chocolate negro 70% com flor de sal, bolachas com uma mistura de especiarias marroquinas, trufa de chocolate negro 55% e o falso, coscorão, que afinal é feito com pele de vaca...
 
 
Tudo fantástico.
Neste momento das petit-fours é servido o café de balão, desenvolvido em exclusivo para o Loco, e o chá, no caso hortelã-pimenta.
 
 
 
 
Por fim, encerramos com uma maravilhosa bolinha de Berlim com gelado de doce de ovo.
 
 
Este Loco é feito do envolvimento de todos os colaboradores, num ambiente intimista e simultaneamente descontraído, onde se percebe que não há receio de inovar e arriscar. Assim, a criatividade tanto rompe com a tradição, como se cruza ou a recria, ainda que esteja sempre aliada à técnica e qualidade do produto.