segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

By The Wine

Era pequena. Sem idade para beber vinho. Mas lembro-me do meu pai comentar que, em Portugal, havia o estigma de se servir nos restaurantes um copo de vinho. Na mentalidade da época, isso era coisa de tabernas e tascas. Pelo que nos restaurantes só se vendiam garrafas.
Como faziam, então, as pessoas que, sozinhas, queriam degustar um copo de vinho? Era uma tarefa complexa. Optavam por não beber ou pediam uma garrafa, arriscando-se a desperdiçar grande parte do líquido. Isto porque, mais uma vez, em Portugal havia e, ainda hoje há, o preconceito (muito presente, sobretudo, no consumidor) de não se solicitar para levar para casa as sobras das refeições.
Vem esta conversa a propósito de ser nítido que no caso do vinho o consumo alterou-se muito, talvez, na última década. Actualmente, qualquer estabelecimento de restauração, do mais humilde ao mais glamoroso, tem na sua carta opções de vinho a copo.
Talvez por essa razão, entre outras, há cada vez mais e diversificados consumidores. O vinho passou, inclusivamente, a ter um papel de destaque quer numa refeição (veja-se as harmonizações dos menus com vinhos), quer como elemento autónomo (sucesso e democratização das provas de vinho), assim como elemento económico forte em vários quadrantes.
Neste âmbito, de valorização do vinho, têm surgido, um pouco por todo o lado, propostas de espaços que apostam no produto vinícola. Frequentemente são os próprios produtores de vinho que têm vindo a diversificar os modelos de negócios. Seja através da abertura de unidades de enoturismo, adegas-museu, enotecas, restaurantes vinícolas, winebars.
Recentemente, em Lisboa, a José Maria da Fonseca abriu o By the Wine, a primeira flagship store da marca na capital.
As flagships store pretendem representar de uma forma forte e inovadora a essência da marca. Para o efeito usam uma comunicação revolucionária com o público.
É isso que acontece no novo espaço da conhecida e prestigiada casa produtora de vinho José Maria da Fonseca. Com um projecto arquitectónico muito bonito e bem conseguido o By the Wine é não só um winebar, onde é possível consumir a copo qualquer gama de vinho da marca enquanto se petisca, como também é uma loja de vinhos, onde se pode adquirir qualquer produto da José Maria da Fonseca.
Para picar há várias opções de enchidos, queijos, ostras, salada de mexilhão, ceviche de salmão e sandes.
Optámos por uma sandes de rosbife com rúcula e por uma sandes de lombo Bolota. Acompanhar degustámos um Terras Altas Tinto, vinho do Dão, e um Domini, do Douro, também tinto.
A área central de Lisboa ganhou mais um espaço muito válido para um momento de convívio e relaxe, bem necessário nas nossas rotinas diárias.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Eleven

Tudo começou com um concurso de pratos criativos. Lançado pelo restaurante Eleven, no âmbito do seu décimo aniversário. Os prémios a concurso eram refeições no restaurante chefiado por Joachim Koerper e galardoado com uma estrela Michelin.
Comida era o mote do início ao fim.
Concorri com um prato. Ou melhor, com uma entrada. Folhadinhos de alheira com salada de dióspiro, tomate, beterraba e rúcula.
Entrada essa que me levou a uma das mesas, com vista deslumbrante sobre a cidade, do restaurante localizado no alto do Parque Eduardo VII.
Não fui a vencedora maior. Mas fiquei incluída no grupo dos dez finalistas (um por cada ano do restaurante), tendo por essa razão direito, como prémio, a um menu Business Lunch, composto por entrada, prato e sobremesa.
Na semana em que fui, das duplas opções existentes, escolhi como entrada salada de cavala fumada, couscous e laranja do algarve; lombinho de porco preto, polenta cremosa e legumes da estação como prato principal; e Delícia de chocolate, caramelo e frutos tropicais de sobremesa.
Não ia com muitas expectativas por se tratar de um menu Business Lunch, mas sai totalmente satisfeita com a refeição que apresentaram.
Para além de todos os pratos estarem magnificamente saborosos e com notável apresentação, o menu proposto incluiu também mimos habituais em menus de degustação, nomeadamente um amuse bouche logo à entrada e mignardises, isto é, um sortido de doces, no fim.
A refeição começou, assim, com um amuse bouche de salmão e wasabi de coentros. Magnífico. A textura do salmão, a conjugação de sabores frescos e intensos.
De seguida chegou à mesa a salada de cavala, com esta extraordinariamente bem fumada. O contraponto do fumado da cavala com o ácido-doce da laranja e o sabor mais neutro do couscous transformam esta entrada em algo notável.
Momento do prato principal. Dos lombinhos de porco preto, polenta cremosa e legumes da estação. Tudo muito equilibrado e bem confecionado.
A encaminharmo-nos para o fim da refeição, num dia em que o cinzento cobriu Lisboa, veio a sobremesa dar brilho ao dia. Com um toque tropical, alegre e energético, deliciamo-nos com o chocolate com pedaços de laranja, caramelo e gelado de maracujá. Maravilhoso.
Ainda nos contentamos com um mignardises, sortido de doces, delicadeza do chef.
O aforismo do dia ficou "Quem ganha concursos, pode ter um dia mais feliz".

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Há Oro no Rio de Janeiro

Não, não foi descoberto o material precioso no Rio de Janeiro. O título deste post revela antes que existe algo igualmente valioso no Rio. Um restaurante chamado Oro e que tem como chef Bronze. Felipe Bronze. Eleito o chef do ano, 2013/2014, pela Veja Rio.
A cena gastronómica de alta cozinha concentra-se sobretudo em São Paulo. Porém, nos últimos anos, têm surgido óptimas revelações no Rio de Janeiro. O Oro é uma delas.
Localizado entre o Jardim Botânico e a Lagoa, este moderno e confortável restaurante apresenta uma cozinha muita criativa.
Optámos pelo Menu Oro 5, composto por quatro pratos e uma sobremesa. Há ainda mais duas opções, o Oro 7 (seis pratos e uma sobremesa) e o Experiência Oro (nove pratos e uma sobremesa).
Cruzámo-nos com alguns ingredientes que dias antes já tínhamos experimentado no D.O.M. de Alex Atala. Contrariamente ao que não sentimos neste restaurante paulistano, no Oro a surpresa foi constante. A forma criativa de apresentação dos pratos é extraordinária, o que aliado à valorização dos ingredientes brasileiros e à excelente confecção resulta numa combinação notável.
O chef faz uma releitura das receitas tradicionais, da sua memória gastronómica, recorrendo a técnicas moleculares, para de um modo artístico e lúdico apresentar a sua gastronomia.
De início foram-nos servidos um conjunto de snacks. Cada um mais apelativo do que outro.
Sorvete de ostra, alga Noori, raspa de lima com saúva da amazónia.
Com este sorvete sentimos mais uma vez o sabor cítrico da formiga saúva, acentuado pela raspa de lima e complementado com a intensidade de sabor a mar da ostra. Proposta extraordinária para quem adora ostra.
Profiteroles de queijo do Marajó.
Apesar de não gostar de queijo, reconheço que é uma proposta bem conseguida.
Tempura de ovo de codorniz com ar (espuma) de beterraba.
Composto muito interessante e saboroso.
Barriga de porquinho com vinagreta de Xerez.
Uma delícia, com o pormenor soberbo de injectar a vinagreta no final.
Caldinho de feijão e couve acompanhado com um torresmo.
Uma proposta tradicional reinventada. Fantástica.
Milharal, cones e espuma de milho doce com catupiry e pó de pipoca.
Snack divertido e com boa conjugação de sabores.
Este desfile de criatividade e bom sabor encheu-nos por completo. Tudo o que viesse a seguir não anularia o prazer deste começo.
De seguida saboreámos uma deliciosa cavaquinha grelhada com creme de pistachio e palmito pupunha. A carne da cavaquinha apresentou-se impecável e a conjugação com os restantes ingredientes é extraordinária. Adorei.
O prato seguinte foi novamente peixe. Black cod, um peixe do Alasca. Servido com palmito pupunha fermentado, folha de capuchinha (da região serrana de Petrópolis), molho miso, rapadura e caldo de galinha caipira tostado. Formidável. Desde a textura muito macia do peixe à fusão de sabores.
Antes da sobremesa, comemos rabada com trilogia de milho (espuma, farinha e pó de milho verde). Apresentou-se também muito bem, apesar de não ter sido a proposta que mais gostei.
De sobremesa voltámos a ter doses de criatividade e diversão. Com diversas pequenas porções o chef leva-nos numa viajem aos sabores da sua infância.
A sobremesa chama-se “Brasilidades” porque explora ingredientes tipicamente brasileiros. Foi então servido pipoca caramelizada com sal de cumaru, brigadeiros, brownie, romeu-e-julieta (flan de queijo com goiabada), pudim de leite com amburana (árvore típica do sertão nordestino) e sorvete.
Mas o momento mais inventivo da noite foi uma espuma de cocada que o empregado coloca num recipiente com nitrogénio líquido a 196 graus e transforma aquela espuma em um sorvete.
Um festival sensorial. A refeição que tivemos no Oro estimulou os nossos sentidos.
Este restaurante inventivo arrisca. Sem perder o controle.
Alimenta-nos. Saborosamente bem.
E diverte-nos. Muito.
Que experiência sublime.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O D.O.M. De Alex Atala

Alex Atala tem vários dons. Um deles é ter um restaurante chamado D.O.M. Outro, seguramente, é ter revolucionado a alta cozinha brasileira e tê-la colocado em destaque mundial. Recorrendo a uma busca e investigação intensa de novos produtos, muitos deles oriundos das profundezas da Amazónia e de outros lugares remotos do Brasil, a sua cozinha trouxe novos ingredientes e sabores para uma das maiores cidades do mundo, São Paulo, e para quem é do mundo.
O seu restaurante, junto a uma das artérias mais caras de S. Paulo, nos Jardins, foi considerado o sétimo melhor restaurante do mundo e o terceiro melhor da América Latina pela revista Restaurant/S. Pellegrino World's 50 Best Restaurants. Neste canto, que se acede por uma porta majestosamente grande, a pequena formiga Saúva, directamente vinda da selva Amazónia, virou estrela.
Ninguém, a não ser quem se recuse veementemente, sai do D.O.M. sem ser surpreendido por este formicidae.
Mas começando pelo início. Há várias hipóteses de menu de degustação. Depois de nos instalarmos numa mesa demasiadamente profunda, produzindo uma distância quase impessoal para quem está à nossa frente, fizemos as nossas escolhas. Optámos pelo Menu do Reino Vegetal com harmonização de águas e essências de frutas.
Antes de se iniciar o menu propriamente dito veio a oferta do chef. Não adorei. Talvez por isso já não me lembre do que se tratava.
Após o início menos prometedor, tudo a postos para começar o desfile de uma série de ingredientes desconhecidos no meio de outros familiares.
Assim, de arranque foi-nos servido melancia, pepino e codium, que é um género de alga. Prato apelativo visualmente e de sabor fresco e muito agradável.
A acompanhar veio água de goiaba e baunilha. Como parte das águas servidas, o sabor foi anulado pelo prato. Será que é suposto ser assim? Ou será que sem darmos conta o sabor da comida sai intensificado?
O segundo prato do menu foi feijão manteiguinha com creme de couve e farinha de milho. A acompanhar água com gás e erva doce. Bom, mas sem levar à estratosfera.
De seguida degustámos mini arroz tostado com cogumelos e agrião, harmonizado com água de salsinha e poejo. Muito bom na textura e no sabor.
Na sequência veio o duo de formigas amazónicas. Uma em cima do abacaxi e outra isolada. As formigas são servidas mortas (através de um pcriorocesso) mas cruas. É recomendado comer primeiro só a formiga isolada e, posteriormente, a formiga com o abacaxi.
A pergunta que se impõe, a que sabe este tipo de formiga? Uma mistura de sabores cítricos com gengibre. É surpreendentemente verdade. O sabor é bem agradável. A textura é que, também surpreendentemente, é em parte rija e difícil de se desfazer na boca.
O prato seguinte foi fettuccine de palmito com cogumelos, acompanhado de infusão de arroz tostado e chá. Prato muito bom. O fettuccine, percebi depois, já no Rio de Janeiro, numa feirinha na Urca, é o próprio palmito. Na feirinha biológica estavam à venda placas de palmito para lasanha e explicaram-nos o processo e logo relacionei. 
O momento degustativo seguinte foi legumes com roti de cebola e creme azedo, acompanhados com granizado de jabuticaba (fruto nativo da Mata Atlântica). 
Pela primeira vez a água servida, neste caso em forma de granizado, sobrepôs-se ao prato, não que este não estivesse óptimo. De tal forma que tenho a certeza que o granizado ficará na minha memória gastronómica durante muitos anos. Plagiando a expressão que li há dias num comentário de um brasileiro no instagram, a propósito de outro assunto, este granizado de jabuticaba estava "fodisticamente foda".
A seguir, a quebrar o estado feliz das papilas gustativas, foi servido o Aligot, outra sensação de Atala. Detestei. Acima de tudo porque detesto queijo. De sabor muito intenso, enjoativo e fora do meu gênero.
Para finalizar a sobremesa servida foi a gostosa mandioquinha glacê, chocolate do combu e chantilly de mel de abelha indígena "Jataí". A acompanhar água de cumaru.
Mais de duas horas depois de nos termos sentado saímos pela porta grande do D.O.M., com a sensação de que tudo esteve muito bom, mas que a noite não foi marcada por uma grande surpresa. Admito que o dia longo e cansativo não tenha ajudado a absorver melhor a experiência gastronómica, contudo numa análise mais precisa julgo que a cozinha de Atala, pelo menos o seu Menu do Reino Vegetal, não se substancia numa gastronomia altamente criativa. A criatividade encontra-se sobretudo nos ingredientes, não sendo a composição marcada por doses de imaginação. Trata-se assim de uma gastronomia assertiva e não de uma gastronomia inventiva e surpreendente. Não é uma crítica, antes pelo contrário, apenas o constatar das características que experienciámos.