quarta-feira, 4 de maio de 2016

Ziya | Mumbai

Intensa é talvez uma das melhores palavras que qualifica a culinária indiana.
Como é sabido, a comida indiana, apesar de muito diversa, tem um elemento comum, a intensidade, que advém sobretudo dos inúmeros condimentos que a compõem.
Imagine-se então o que é propormo-nos fazer um menu de degustação num restaurante de cozinha indiana.
Não é fácil, adianto já. Uma vez que o grau de intensidade é elevado ao número de pratos que formam o menu.
Tivemos esta experiência no restaurante Ziya, em Mumbai, um dos restaurante inserido no 5 estrelas Oberoi Hotel, na Marine Drive.
Depois de entrarmos num ambiente elegante e esplendoroso (Ziya significa esplendor e luz), rodeado de ouro - dos mosaicos aos painéis de parede passando pelos talheres e pratos -, implantou-se uma dúvida, por que tipo de proposta optar?
Escolher à carta ou entregarmo-nos a um dos menus de degustação?

 
Uma voz corajosa ditou a decisão final, seguir para o menu de degustação.
Optámos pelo menu Gourmand, composto por 7 pratos, que nos conduziu a uma viagem pela cozinha indiana contemporânea desconstruída e reinventada pelo chef Michelin Vineet Bhatia.
Enquanto ainda nos deslumbrávamos com o espaço, incluindo a vista alcançada pelas grandes janelas viradas para o Mar Arábico, chegou o couvert. Diversas fatias de papari coadjuvadas de molho de beterraba, manga e verde.
 
 
Apresentou-se também o cocktail escolhido. Margarita de tamarindo.
Que coisa mais surpreendente na composição e maravilhosa no palato.
Claro que o travo picante está presente.
 
 
Depois do colorido dos molhos chegou o primeiro prato, camarão grelhado com folhas de caril e chutney de coco (Grilled Curry Leaf Prawn. Idli fry, coconut chutney). Acabou por ser o prato mais suave e com a composição mais bonita da noite. Apresentado com um conjunto de pedras e uma casca de coco, transportou-nos para sul, até  Kerala.
 
 
Prosseguimos para um prato de peixe com crosta picante de macadamia, redução de beterraba, ervilhas e Upma (Macadamia Machi. Beetroot saar, green pea upma).
Este prato, aparentemente inócuo, engana, pois é bastante picante, como qualquer prato indiano não consegue deixar ser.
Ainda neste segundo momento da refeição chegámos a duas conclusões: todos os pratos apresentados serão picantes e iremos cruzar-nos com uma diversidade de produtos que não imaginamos o que sejam.
 
 
Neste caso surge a upma, o creme branco da fotografia, que se assemelha a uma cremosa polenta ou a um risotto.
No que respeita à primeira conclusão, finalmente, resolvemos  perguntar a razão de a comida ser tão intensa na Índia, um país genericamente de clima quente.
A resposta que surge do empregado que, excepcionalmente, nos serve é um simples "porque adoramos". Puxamos por ele e confirmamos uma outra conclusão, à qual já tínhamos chegado, um prato que um indiano considere não picante será picante numa escala avançada para um europeu.
Prosseguindo. Mergulhámos num prato de frango (Lasuni-Til Chicken Tikka. Chowpatty bhaji, crisp idiyappam). É um piscar de olhos à comida de rua, como os pav e bhaji, mas aqui com um toque sofisticado.

 
Enquanto as papilas gustativas mostravam toda a sua irrequietação surge para acalmar o palato um sorvete de açafrão com champagne Moët Chadon.
Excelente.
 

O empregado ficou a pensar no que questionámos momentos antes e, talvez preocupado, trouxe-nos este molho à base de iogurte e com sementes de romã. Justificação: ajuda a acalmar o picante. Motivo: o prato a seguir é picante.
 
 
A sério? E os outros, não eram?
Venha ele. Lagosta, grão de bico, cebolinha, pulau e chutney de pimenta vermelha (Chilli Burnt Butter Lobster. Chickpea-spring onion tawa pulao. Crab-red pepper chutney).
Prato desarrumado, mas que foi bem arrumado e acomodado no estômago.
Carne da lagosta divinal.
E sim, sobrevivemos à intensidade anunciada sem recurso a paliativos.
 

Do mar passámos para a terra e fizemos uma incursão ao norte da Índia.
Costeleta de borrego temperada com gengibre, batatas Rawale e Tikki de espinafre (Achari Tandoori Lamb Chop. Raiwaale aloo, spinach tikki. Saunf makhni).
Pela minha intolerância à carne de borrego, experimentei apenas este prato na versão vegetariana.


De estômago a transbordar e de boca dormente, encaminhámo-nos para o final. 
De sobremesa Gulkand Choco, cheesecake de líchia e mousse de chocolate Gulkand, rosa Rasmalai, kulfi de chocolate preto, caviar rosa, folha Betel comestível e crumble de pistachio.
Novidade, não sentimos nada de picante neste prato.
Hallelujah! Aleluia em híndi.
 
 
Durante umas horas mergulhámos e embrenhámo-nos numa viagem culinária através da Índia, pelas suas tradições regionais, crenças religiosas e técnicas de cozinha.
Saímos com a sensação de não termos apreendido todos os significados inerentes a cada prato. Essa será sempre uma dificuldade numa cultura que não conhecemos totalmente.
Ainda assim, e apesar da complexidade de ingerir tantas composições intensas, foi uma grande experiência. Ao nível da Índia. Tão difícil como desafiante e saborosa.