Algures na província chinesa de Guangxi há um
miradouro com o nome Música do Paraíso
e outro, igualmente com uma designação poética, Mil Camadas do Céu. Destes pontos de vista privilegiados avistamos
os terraços de arroz de Longsheng. É dali, daqueles terrenos em socalco, bem
como de muitos outros campos de arroz espalhados pela enorme China, que se
extrai um dos principais alimentos dos Chineses.
Durante a nossa presença na
China, pelas províncias de Guangxi e Yunnan, e também por Hong Kong, em quase
todas as refeições, tivemos a companhia desta cultura cerealífera. Assim como
de um bule de chá. Estes dois elementos são presenças constantes e
reconfortantes, por nos serem familiares.
Verdade, na China mais profunda nem
sempre é fácil saber o que nos vai chegar no prato. Até porque a comunicação é
um grande desafio.
No entanto, apesar de as
incursões gastronómicas não serem sempre familiares, para mim é reconfortante
ter estes desafios na vida.
Porém há um aspecto que merece
contraditório. Inversamente ao que diz a marchinha brasileira de carnaval Lig-Lig-Lig-Lé, mais recentemente
popularizada por Adriana Calcanhotto, “Chinês não come somente uma vez por mês”. Não mesmo. Chinês come várias
vezes por dia. E muito.
A comida é uma coisa levada
muito a sério pelos chineses. Para além de um prazer, uma refeição é um
verdadeiro acto social e de partilha. É vê-los em família e, também, em almoços
de negócios, sentados à mesa, onde se configuram grandes quantidades de comida prontas
a serem compartilhadas entre todos. Foi para facilitar essa partilha que
inventaram aquelas grandes mesas redondas com placa central giratória.
A culinária chinesa é uma das
maiores do mundo. É muito forte e diversa, ou não fosse a China quase um
Continente. Pelo que há ofertas de várias naturezas, sejam estabelecimentos como comida de rua, e com muitas variações regionais.
Destaco particularmente, por
gostar do conceito, os restaurantes que apresentam numa vitrina os
ingredientes disponíveis para confecção. Legumes, uns mais familiares do que
outros, carne, peixe. A nós cabe-nos apenas escolhe-los e aguardarmos que
cheguem já confeccionados à mesa.
A este respeito, vai ficar na
memória o almoço na cidade velha de Baisha, na envolvente de Lijiang, de onde viemos
a pedalar, e onde comemos um maravilhoso peixe devidamente apurado com o picante típico da culinária do Yunnan.
Os mercados, fechados ou de rua,
são sempre emocionantes. Pela vibração, cor, texturas. Destaque para o de
Lijiang, onde explorámos e nos cruzámos com uma infinidade de elementos
apetecíveis.
É sempre um prazer podermos
experimentar as frutas locais, umas mais conhecidas do que outras. Manga (deliciosa), abacaxi, mangostão (soberbo), líchia, pitaya (entusiasmante), bananas - pequenas e bojudas (poderosas), melancia (algumas delas amarelas por dentro), pepino (exótico),
e mais um rol de delícias. Maravilha.
Como é também um deleite cruzarmo-nos e explorarmos novos paladares. Como o bambu recheado com arroz adocicado, os docinhos de pétalas de rosa de Lijiang, as raízes de lótus, a baba (um género de pizza) de Xizhou, o camarão bebé frito do Lago Erhai, o ovo dos cem anos em Guilin.
É igualmente extraordinário constatarmos
que nos adaptámos à culinária picante, quando sentimos falta de algo nos momentos em que a culinária apimentada não é tão presente. Ainda que tivéssemos momentos difíceis
pelo caminho, pois as especiarias de tempero são intermináveis, e algumas delas com efeitos particulares, como adormecimento da
boca... Há um restaurante em Lijiang que não sairá das nossas memórias gustativas e que entrou directamente nos nossos catálogos pessoais de especiarias.
Os pratos mais pedidos ao longo
da nossa viagem foram peixe (sobretudo de rio), carne de porco, galinha,
beringela, cogumelos e outros legumes.
Também experimentámos os clássicos noodles. Prato tão nutritivo como delicioso, graças ao caldo que o compõe.
Apesar da repetição de ingredientes ao longo da nossa viagem, a confecção foi
sempre diferente e, maioritariamente, deliciosa. No fim a mesa acabou sempre
assim.